Wednesday, September 14, 2005

NaziSocialismo

por Claudio Andrés Téllez em 10 de setembro de 2005

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Utilizar uma definição econômica de Socialismo em oposição ao Capitalismo (i.e., a quem corresponde a propriedade dos meios de produção) para fazer em seguida uma distinção relacional entre extrema-esquerda e extrema-direita é uma maneira sutil de arrumar as definições preliminares de modo a estabelecer uma categorização que não peca pela consistência lógica (dadas as premissas cuidadosamente estabelecidas), mas que insere um conjunto de pré-conceitos sobre os quais obriga-se um debatedor a jogar no terreno e segundo as regras do outro. Trata-se de um mecanismo consciente de abandono da neutralidade objetiva para que o desenvolvimento da discussão transcorra de maneira conveniente para uma das partes graças à inserção de uma certa terminologia e de um certo prisma ideológico como pontos de partida para o debate.

Vejamos, por exemplo, o caso do Nazismo. Caso possamos admitir (é só uma hipótese, hein!) que de jure os meios de produção não saíram das mãos privadas, sob essa hipótese não podemos negar que o sistema econômico dominante era capitalista. Já no caso do Comunismo Soviético, como os meios de produção estavam nas mãos do Estado, o sistema econômico dominante era o Socialismo. Mas isso de acordo com uma definição baseada na propriedade legal dos meios de produção.

Como atualmente o Capitalismo é relacionado à direita e o Socialismo à esquerda, a construção anterior permite malandramente concluir que, enquanto o Comunismo Soviético foi um regime de extrema-esquerda, o Nazismo na Alemanha foi um regime de extrema-direita.

Porém, de facto, o governo de Hitler praticou um fortíssimo dirigismo estatal na economia, havendo na prática um poderoso mecanismo de planejamento central e de patrulhamento, sustentado por uma produção intelectual de orientação socialista.

Atualmente sabemos que no período de 1922 a 1933 os soviéticos remilitarizaram a Alemanha e preparam o caminho para o Nazismo. A Alemanha burlou as restrições técnicas e militares impostas pelo Tratado de Versalhes mediante uma delicada cooperação entre o Reichswehr e o Exército Vermelho. O objetivo principal do Comunismo Soviético era utilizar a Alemanha como uma de suas plataformas de expansão, mas a situação mudou com a ascensão dos nazistas ao poder em 1933, o que ocasionou o fim da cooperação militar (DYAKOV; BUSHUYEVA, 1995).

O pacto de não-agressão assinado por Hitler e Stalin no dia 23 de agosto de 1939 é grosseiramente interpretado como sendo uma aliança entre países com regimes totalmente opostos, mas há mais elementos de afinidade entre o Comunismo Soviético e o Nazismo do que é costumeiro imaginar. Assim, colocar esses dois regimes em extremos opostos é, no mínimo, leviano. O megaloestatismo, por exemplo, é um fator presente nos dois regimes e não deveria ser ignorado devido a uma posição de comprometimento com uma causa em detrimento da racionalidade crítica e da analiticidade erigida sobre sólidas bases teórico-empíricas.

Pelo lado dos interesses alemães, o pacto de não-agressão de 1939 estava fundamentado na doutrina geopolítica de Karl Haushofer. A formação de um bloco eurasiático com a URSS, Índia, Japão e China quebraria a supremacia inglesa. Hitler, no entanto, pensava diferente de Haushofer e quebrou a formação desse bloco eurasiático ao invadir a União Soviética em 1941 e selar o destino do Terceiro Reich (MELLO, 1997). Mas o anti-comunismo hitlerista não é suficiente para estabelecermos uma polarização Nazismo – Comunismo. Hitler não era "o" Nazismo.

Elementos comuns entre comunismo e nazismo
Há inegáveis elementos de distinção entre o Nazismo e o Comunismo Soviético, mas ignorar de maneira deliberada os elementos que são comuns aos dois regimes, com o objetivo de estabelecer uma diferenciação entre o que é extrema-esquerda e o que é extrema-direita partindo de exemplos infelizes e assim dividir as responsabilidades entre a esquerda e a direita pelos genocídios do século XX, é uma artimanha retórica que infelizmente dá bons resultados sobre mentes preguiçosas.

Utilizar um viés que coloca a economia como motor da história e partir da questão da propriedade dos meios de produção para o estabelecimento de uma distinção entre esquerda e direita é praticar manipulação através da escolha precisa de terminologias, conceitos e idéias que são caros à esquerda para distinguir esquerda de direita. Caímos no problema que abordei no meu texto Distinções Imaginárias, do dia 6 de setembro de 2005.

Acontece que essa distinção, construída de maneira falaciosa, mesmo quando a falácia é cuidadosamente maquiada através da utilização de uma falsa definição por posição relativa, não se sustenta diante dos fatos. As armas do engodo podem facilmente se voltar contra quem as utiliza. Por exemplo, vamos seguir a brincadeira e admitir que “a diferença entre esquerda e direita é que a direita quer manter o status quo e a esquerda quer modificar o status quo”. Ora, qual era o status quo que a Alemanha Nazista queria manter, se entre os projetos do regime podemos encontrar inclusive a eugenia? Além disso, tratava-se de uma total transformação da sociedade alemã, mediante limpezas étnicas e uma rigorosa engenharia social. Algo não muito diferente ocorria na União Soviética (e continuou ocorrendo muito depois da queda de Hitler e de Stalin). A engenharia social é mais um ponto de contato entre o Nazismo e o Comunismo Soviético.

Uma análise das raízes socialistas do Nazismo (ou Nacional-Socialismo) é realizada por Friedrich Hayek em seu clássico O Caminho da Servidão (HAYEK, 1990). O autor aponta, por exemplo, que precursores do Nacional-Socialismo como Fichte, Rodbertus e Lassalle eram também reconhecidos como fundadores do Socialismo. Esses pensadores formularam a concepção segundo a qual o Estado não é fundado ou formado por indivíduos, tratando-se de uma comunidade do povo onde os indivíduos não têm direitos mas apenas deveres. O ideal coletivista, portanto, é outro ponto em comum que podemos identificar entre o Nazismo e ao Comunismo Soviético.

Para terminar, um dos expoentes da elite intelectual nazista, Ferdinand Fried, produziu uma obra intitulada O Fim do Capitalismo (FRIED, 1931). Fried dirigia a revista Die Tat, onde questionava-se a enorme acumulação que existia na Alemanha diante de 80% da população que não possuía absolutamente nada. Para Fried, o sistema capitalista não era somente injusto, mas estava condenado a desaparecer pois não haveria mais estímulos para a livre concorrência. Os editores da revista defendiam o planejamento econômico e o monopólio estatal do comércio exterior. Porém mesmo diante disso ainda há quem acredite no conto de que o Nazismo foi um regime capitalista e, portanto, de direita, ou melhor, de extrema-direita...



Referências:

DYAKOV, Yuri; BUSHUYEVA, Tatyana. The Red Army and the Wehrmacht: how the soviets militarized Germany, 1922-33, and paved the way for fascism. New York: Prometheus Books, 1995.

FRIED, Ferdinand. Das Ende des Kapitalismus. Jena: Eugen Diederich, 1931.

HAYEK, Friedrich. O Caminho da Servidão. 5. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.

MELLO, Leonel Itaussu de Almeida. A Geopolítica do Brasil e a Bacia do Prata. São Paulo: Annablume, 1997.

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