Wednesday, November 02, 2005

Referendo: notas da campanha por Peter Hof em 31 de outubro de 2005

Acabando com as dúvidas

Se ainda pairava alguma dúvida sobre o que o povo brasileiro pensa a respeito de tirarem-lhe um direito, mesmo de forma dissimulada, a resposta foi definitiva: o NÃO tirem um direito que é meu ganhou no país todo por uma avalanche de votos. Ganhou em todos os estados, em todas as capitais, em todas as regiões geográficas, bem como na maior cidade do país (57,6%), e ganhou também em uma das menores: Santana do Jacaré, Minas Gerais, com seus 4.701 habitantes, e onde 57% votaram NÃO.

Recado do velho Abe às Organizações Globo

“É possível enganar todas as pessoas por algum tempo, ou enganar algumas pessoas por todo o tempo, mas não é possível enganar a todas as pessoas por todo o tempo." Abraham Lincoln, 1809 - 1865

Agressão à cidadania

Um amigo meu, colecionador de armas, ligou-me furioso dizendo ter recebido uma carta, em papel timbrado da Fundação Getúlio Vargas, com uma pesquisa sobre armas. A pesquisa começa informando que a FGV obteve o endereço dele através do SINARM. A tal pesquisa é prenhe de perguntas capciosas, tais como quantas armas ele possui, de que tipo e calibre, e este monumento à falta de respeito: Se ele já atirou em alguém, se matou ou feriu o oponente. Eu não quis divulgar antes este desrespeito à cidadania, pois meu amigo, possesso, rasgou a pesquisa. Além do mais tenho por norma só escrever sobre algo que posso provar. A prova veio na coluna do Ilimar Marinho (O Globo 22/10/05). Lá está dito, com todas as letras, que o Ministério da Justiça repassou à FGV os endereços de todos os possuidores de armas registradas para que a fundação fizesse a tal “pesquisa”. Esta é a prova que faltava (se é que faltava) sobre a forma desrespeitosa com que o Governo trata os direitos e a privacidade dos cidadãos. Num país em que roubam armas, cocaína e dinheiro de dentro da Polícia Federal, quem garante que essa maldita lista não vai parar nas mãos de malfeitores? Depois o Viva Rio, o Sou da Paz e a Polícia ficam trombeteando o número de armas roubadas de cidadão nas mãos de bandidos...

Plebiscito e Referendo

Meu senhor, minha senhora, ilustre passageiro. Não se deixe enganar: plebiscito é plebiscito, referendo é referendo”. Atribuído a um velho jornalista do jornal O Globo.

Murici

O município de Murici, Alagoas, é a terra do Senador Renan Calheiros, Presidente do Congresso e um dos pilares da “exitosa” campanha do Sim (embora ele não atravesse a rua sem estar cercado de guarda-costas armados). Pois bem, na terra do senador, onde os cidadãos envaidecidos deveriam seguir a postura cívica do ilustre filho, o NÃO teve 62,5% dos votos e o Sim, do senador Calheiros, 37,5%.

A aristocracia da bala

O locutor do Jornal Nacional (favor não confundir locutor com jornalista) teve sua casa assaltada recentemente. O ladrão, após ter sido preso, fugiu da cadeia. Coerente com as idéias defendidas por seu patrão, o senhor William Bonner por certo deve ter votado no SIM, pela vida e pela paz. Será que agora, face à ameaça que costuma afligir apenas os comuns mortais, o senhor Bonner vai continuar confiando apenas na Providência Divina, ou vai se cercar de guarda-costas armados? Afinal ele faz parte daquele 0,0001% da população que pode pagar o custo de um guarda-costas: 13 mil Reais por mês. Neste país bom mesmo é ser parte do que o jornalista Reinaldo Azevedo chamou de Aristocracia da bala. Para quem perdeu o excelente artigo sobre o assunto, Aristocracia da bala são aqueles poucos privilegiados que podem comprar segurança a peso de ouro, enquanto a rafaméia tem de negociar com a bandidagem.

Alguém pode me explicar?

Gostaria que os sociólogos das ONGs, que vieram e ainda virão com toda sorte de explicações sobre a surra cívica que o povo lhes aplicou, pudessem me ajudar a entender o seguinte: segundo a lógica deles as populações mais pobres, vítimas da violência, deveriam votar maciçamente no SIM. Afinal estes marginalizados por uma distribuição injusta de renda, esquecidos pelo poder público, gente que conforme mostrou o programa do SIM não tem condições financeiras de comprar e registrar uma arma, deveriam certamente querer votar no SIM. Locais como a periferia da Área Metropolitana do Rio de Janeiro: Meriti, São Gonçalo, Duque de Caxias e Nova Iguaçu, cidades que seis meses atrás foram atingidas por uma bárbara chacina, onde as estatísticas mostram que existe uma taxa de 40 mortos por cem mil habitantes - o dobro da média nacional - essa pobre gente deveria dar uma retumbante vitória ao SIM. A reforçar o argumento, o maior interlocutor e porta-voz desses abandonados pelo Poder Público é a Igreja. E neste caso tanto a Igreja Evangélica quanto a Católica estavam maciçamente engajadas na campanha do SIM. O mesmo raciocínio se aplica a Recife, considerada a capital nacional da violência. Seguindo a mesma lógica dos sociólogos, as cidades de Canela e Gramado, no Rio Grande do Sul, talvez as mais tranqüilas do Brasil - onde há anos não ocorre um homicídio, e cadeias servem para curar ressacas de cidadãos que se excederam na bebida - deveria também votar no SIM. Proibindo armas, afastar-se-ia o potencial perigo que a disseminação dos instrumentos da morte poderia representar para tão pacíficas comunidades.

Só que, ao contrário dos Fogos Caramuru, que não dão xabú, a coisa não saiu de acordo com as brilhantes teorias elaboradas pelos não menos brilhantes cientistas sociais que defendiam o SIM. Vejam o quadro abaixo:

Atores em campanha

Alguém observou que todos os atores que se prestaram a dar depoimentos na campanha do SIM eram da Globo? Por que atores da Record e da Bandeirantes não foram dar seu apoio ao SIM? Será que ninguém, nenhum ator ou apresentador dessas duas emissoras eram a favor do SIM?

Bandeiras

Não sei se todos notaram o detalhe nas duas fotos de capa do Globo de segunda-feira, 17/10/05 mostrando passeatas do NÃO e do SIM. Na foto da esquerda a turma do SIM, na da direita a do NÃO. A turma do SIM empunhava bandeiras do PT, do PMDB. Na do NÃO era um mar de bandeiras brasileiras, eu contei oito. Pode não querer dizer nada, mas pode também estar contando uma história.

Wishful thinking e parcialidade explícita

Deve-se à imprensa uma parcela substancial no tom de ópera bufa que ocorreu durante a campanha do referendo (que alguns erroneamente chamaram de plebiscito). A coisa ia desde a sutil defesa ao SIM até o descarado apoio. Entre centenas pincei duas que são a epítome de tudo o que aconteceu: matéria do repórter Victor Ramos, publicada na Folha de São Paulo de 12/102005, pág. C5, tinha o seguinte título: Prêmios Nobel da Paz apóiam a frente do ‘sim’. A reportagem listava e ouvia a opinião de alguns ganhadores do prêmio Nobel. Acontece que na ânsia de ajudar a turma do SIM, cujo barco aquelas alturas tinha água batendo no convés, o senhor Ramos listava outros ganhadores apoiando o SIM. E o segundo da lista era o doutor Albert Schweitzer, ganhador do prêmio em 1952. Além de grafar o nome do ilustre médico e humanista de forma errada, o repórter o ressuscitou, ou talvez psicografou o apoio do doutor Schweitzer, já que ele faleceu em 4 de setembro de 1965.

Outra performance que merece entrar para o anedotário do referendo foi a atuação de um jovem repórter na noite de 23/10/05. O Ministro Carlos Velloso dava uma entrevista coletiva em Brasília quando um trêfego jovem jornalista (infelizmente não guardei seu nome que merece ser preservado nos anais da imprensa), em um impecável terno escuro levantou-se e perguntou ao ministro se ele não teria uma palavra para 33 milhões de eleitores que votaram SIM. O ministro, com sua conhecida elegância, deu a resposta perfeita ao bobão: disse que ele queria, sim, parabenizar a todos os eleitores, tanto quem votou no NÃO quanto quem votou no SIM pela forma ordeira que o fizeram dando um exemplo de democracia. Se o chefe do aprendiz de jornalista tem um pingo a mais de bom-senso do que o rapaz, deveria despedi-lo no dia seguinte.

Argentina

A Folha de SP publicou no dia 23/10/05 que os argentinos também se preparam para decidir sobre a restrição à posse de armas por cidadãos. Possivelmente incentivados pelo estrondoso NÃO brasileiro, os hermanitos vão repetir o feito. Talvez eles devessem contratar a turma que fez a campanha do SIM. Com sua reconhecida incompetência vão dar, tal como aconteceu por aqui, outra gigantesca vitória aos opositores.

Não foi por falta de aviso

Em 9 de março passado eu publiquei aqui um artigo intitulado: Desarmamento – melhor não perguntar à população. Nele, sem querer posar de profeta do óbvio, eu recomendava ao Governo, às ONGs e às Organizações Globo não insistir no referendo. Não quiseram me ouvir, deu no que deu...

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