Saturday, July 21, 2007

Por uma investigação isenta, doa em quem doer

Não, amigos, não esperem de mim a condenação sumária do governo e das autoridades encarregadas do setor aéreo pela tragédia ocorrida no último dia 17 em Congonhas. Por mais que eu não goste dessa gente; por mais certeza que eu tenha de que são um bando de incompetentes; por mais que eu saiba que empresas públicas, como a Infraero, nunca serão eficientes; não dá para imaginar, a priori, que alguém, em sã consciência, seria capaz de liberar a pista de um aeroporto movimentado como Congonhas sem as devidas cautelas, sem que a mesma estivesse 100% segura.

Como já escrevi quando da tragédia anterior com o avião da Gol, acho que acidentes aéreos, envolvendo aeronaves do porte de um Boing 737 ou de um AirBus, muito raramente podem ser creditados a uma única causa. Normalmente, uma conjunção de fatores, uma sucessão de erros concorrem para que eles aconteçam. No caso atual, conjectura-se que um erro humano – o piloto teria tocado o chão já fora do primeiro terço da pista – poderia ter sido agravado pelas condições do asfalto, pelo volume de água, etc. De qualquer forma, qualquer conclusão, agora, seria precipitada.

Nessas horas, a mídia gosta de desengavetar os famosos “especialistas”, cujas explicações não raro costumam ser as mais disparatadas possíveis, seja por falta de responsabilidade, por vontade de aparecer ou, principalmente, por interesses classistas. Ainda me lembro de certas opiniões sobre o acidente com o jato Legacy em que alguns desses “especialistas” sugeriam que os pilotos americanos estariam fazendo acrobacias aéreas a fim de testar o novo avião. Bobagens em profusão nesses momentos é o que não falta.

As reais causas de qualquer acidente, no entanto, só podem ser esclarecidas após análise completa e detalhada dos dados disponíveis. No caso atual, parece que esta tarefa é um pouco mais simples do que no acidente anterior. Diz-se que a pista de Congonhas conta com monitoramento visual por câmeras, o que, junto com as análises das caixas pretas, poderá dar uma idéia bem precisa do que realmente aconteceu.

O que não pode ocorrer, entretanto, é o atraso injustificado na divulgação dos resultados pelo órgão técnico encarregado da perícia, como vem ocorrendo com o laudo final sobre as causas do acidente de outubro de 2006. A comissão encarregada de destrinchar os motivos daquela tragédia vem postergando, sucessivamente, o resultado das suas investigações – previstas inicialmente para durar 90 dias -, dando margem a que terceiros, do alto de suas expertises policiais, jurídicas ou políticas, tomem a dianteira e passem a vomitar conclusões levianas, oportunistas e irresponsáveis, sem qualquer respaldo técnico.

Uma análise tecnicamente isenta e bem feita não serve somente para determinar responsabilidades civis, mas, especialmente, para que providências sejam tomadas na tentativa de evitar que outros acidentes aconteçam pelas mesmas causas. É assim que a tecnologia de segurança evolui. O transporte aéreo não seria um dos mais seguros do mundo se, no passado, os indivíduos encarregados de apurar as causas dos acidentes tivessem simplesmente dispostos a escamotear eventuais responsabilidades, no lugar de procurar pela verdade, independentemente dos possíveis culpados.

Em princípio, nada pode ser descartado. Falhas humanas ou de equipamentos, condições atmosféricas e da pista, enfim, tudo tem que ser considerado e analisado com cuidado e à exaustão. A bem da verdade, interesses diretos ou eventuais precisam ser postos de lado. Mais de 200 pessoas morreram e o mínimo que as famílias das vítimas e os usuários da aviação civil merecem é saber exatamente as circunstâncias do acidente. De preferência, qualquer pessoa ou entidade, direta ou indiretamente relacionada à empresa TAM, ao fabricante da aeronave ou seus equipamentos, ao controle do tráfego aéreo ou à administração aeroportuária deve ser sumariamente excluída das investigações.

Um governo sério e realmente interessado em desvendar as causas da tragédia deveria contratar técnicos e especialistas no exterior, sem qualquer vínculo profissional, pessoal, emocional, político ou ideológico, por mais remoto que seja, com o acidente. Se não for assim, mais uma vez estaremos varrendo o lixo para baixo do tapete, desonrando a memória dos mortos, colocando interesses econômicos e políticos acima da verdade dos fatos. Estaremos, enfim, novamente praticando a “política do avestruz”, tão comum em Pindorama, e colocando em risco muitas outras vidas.


por João Luiz Mauad em 20 de julho de 2007 - Mídia sem Máscara

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